In Memorium
Percurso

Uma Ida ao teatro

Foi no dia 17 de novembro de 2019 que a minha avó, cheia de força e resiliência, saiu de sua casa em Agualva Cacém e, pelo seu próprio pé, apanhou o comboio para Lisboa. Ela estava convencida por mim pelo menos a sair de casa e vir ver o seu neto a representar.

Esse dia foi muito especial para mim. Naquele mês, eu estava a apresentar pela primeira vez um espetáculo com a companhia de teatro da qual faço parte -Teatro da Cidade -  no Teatro D. Maria II. Era um motivo de orgulho e, por isso, quis convidar os meus familiares.

A minha avó, sempre determinada, chegou ao teatro e ralhou com o senhor da bilheteira. Apesar de ter um convite reservado para ela, fazia questão de pagar o bilhete. Eu, antecipando este quiproquó, tinha dado instruções claras ao senhor da bilheteira: "Peço-lhe por tudo que não deixe a minha avó pagar o bilhete. Eu tenho direito a este convite e faço questão de o oferecer."

Depois de resolvermos a questão dos bilhetes e contar metade da sua vida a este senhor, a minha avó sentou-se comigo e disse: "Vá, agora vens comer aqui um lanchinho comigo. O que é que queres?" A carta do teatro tinha uma ementa diferente da qual ela costumava comer. Sugeri-lhe uma tosta de pera abacate, e ela olhou para mim, espantada, sem saber o que era. Sempre desconfiada, disse que não ia gostar, mas assim que a tosta chegou e ela provou, fez-se um silêncio. Gostou tanto que comeu tudo!

Fiquei feliz, não só por ela ter vindo ao teatro, mas por partilhar com ela um momento tão simples e vê-la contente ao experimentar algo novo. Talvez ela não precisasse de vir mais vezes ao teatro para ver o seu neto, mas esses momentos simples que a vida nos oferece eram preciosos.

Depois do lanche, ela subiu de elevador para a sala experimental, e ali a deixei enquanto fui para o camarim preparar-me. No final do espetáculo, dei-lhe um abraço e agradeci muito por ter estado presente naquele dia. Será uma memória que jamais esquecerei.