Sobre Palcos e Flores.
A vida, de certa forma, nos apresenta vários momentos de perda. Algumas perdas são fáceis de lidar. Outras, são muito, muito difíceis. Umas são pessoais, atuando como principais atores e diretores. Já em outras, estamos na plateia, bastidores, ou atuando como atores coadjuvantes.
Tenho a sensação que essas últimas são de uma dimensão diferente. Quando a perda acontece no palco principal das nossas vidas, onde somos os principais atores e diretores, o processo e o resultado são claramente nossos. Um passo em falso, e tudo pode piorar. Decisões acertadas, e as coisas caminham numa direção menos dolorida.
Mas quando estamos nos bastidores ou atuamos como coadjuvantes, nossa capacidade de impactar o outro diminui drasticamente.
A dor é instransferível. O sofrimento é único.
Ter de lidar com a dor e sofrimento de quem mais amamos na vida é, também, dolorido. Nos bastidores do teatro da vida, podemos dar suporte e oferecer o que esteja ao nosso alcance. Mas não podemos simplesmente pegar a dor e o sofrimento, dividir em fatias, e distribuir.
Não podemos entrar no coração de quem amamos e roubar nem a dor, nem o sofrimento, nem pegar para nós o abismo que se abre abaixo dos seus pés para cair no seu lugar.
A dor é única. O sofrimento é intransferível. E o abismo da perda não pode ser dividido.
Mas podem ser compartilhados.
Nos bastidores ou como coadjuvantes, talvez a única ferramenta ao nosso dispor é escutar. Ouvir. Estar presente.
Nos últimos meses, por incontáveis vezes me peguei com um impulso de tentar roubar pra mim a dor, o desolamento, o sofrimento, a angústia estampada nos olhos, no semblante, nas expressões do rosto de uma das pessoas mais alegres que eu já conheci: Mariana. O meu amor, a minha namorada, esposa, colega de trabalho, parceira de aventuras e de viagens. Mas não há como roubar, pegar, dividir, ou estancar a dor, o sofrimento, o abismo.
A dor não pode ser dividida. O sofrimento é único. O abismo é intransferível. A angústia é individual.
Como atores assistentes desse palco, também sofremos, e muito. Mas é uma dor que tem que ser vivida contida, calada. O sofrimento e a dor dos outros vêm em primeiro lugar. E já basta o que têm que enfrentar…
O que está ao meu alcance, além da presença e da escuta, é a memória e as lembranças.
É ai que entram as flores.
Um dia precisei ir para Conquista meio que de última hora. Não era necessariamente uma surpresa, mas era uma viagem não planejada. Precisava chegar na rodoviária (a situação financeira naquela época nem era ruim, porque para ser ruim ia precisar melhorar um bocado) e ir direto para uma floricultura para comprar um arranjo de flores bem bonito para dar de presente pra Mari. Tinha que ser um bem bonito e bem grande (quanto maior o buquê, maior a cagada de quem entrega, como já dizia a sabedoria popular mineira).
Como eu não conhecia a cidade direito, pedi ajuda ao mago dos bastidores, Márcio. A tarefa foi prontamente aceita em parte, desconfio eu, pela curiosidade de saber o que havia acontecido para merecer um arranjo de flores e uma visita não agendada, mas isso já é especulação minha.
O que sei ao certo é que fomos para uma floricultura local curiosa. A variedade de flores não era tão grande quanto eu esperava. Os arranjos não eram bem como eu estava imaginando. E o clima não era aquele clima agradável de floricultura decorativa.
Perguntei se não havia um arranjo de rosas vermelhas, rosas, e brancas para dar de presente. A vendedora me olhou de uma forma típica: não devia estar compreendendo o meu sotaque, pensei.
Repeti a pergunta, tentando falar o mais claramente possível, devagar, sem recursos linguísticos mineiros algum. Ela me olhou estranho novamente e me perguntou: “não é uma escolha muito diferente não?”.
Como pode arranjo de rosas ser uma escolha diferente? Será que no planalto bahiano as pessoas optavam por outro tipo de flores para as pessoas que amavam?
Devolvi o olhar estranho.
Ganhei outro mais curioso ainda.
E aí compreendi o mistério: Marcio tinha me levado para uma floricultura de velório.
Genial.
Não sei se foi de propósito ou se foi a primeira que lhe passou pela memória.
Mas era uma floricultura especializada em outro tipo de situação, e a minha não passava perto de um velório…
Essa é uma história que eu gosto sempre de contar.
E tem me ajudado a lembrar do Marcio de uma forma que me traga alegria, ofuscando a dor.
A dor é instransferível. O sofrimento é único. A presença e a escuta ajudam.
A memória de boas histórias podem servir para dar uma leveza momentânea.
Os palcos da vida nem sempre nos faz rir. Muitas vezes nos testam ao limite.
Que as flores nos ajudem.
A vida, de certa forma, nos apresenta vários momentos de perda. Algumas perdas são fáceis de lidar. Outras, são muito, muito difíceis. Umas são pessoais, atuando como principais atores e diretores. Já em outras, estamos na plateia, bastidores, ou atuando como atores coadjuvantes.
Tenho a sensação que essas últimas são de uma dimensão diferente. Quando a perda acontece no palco principal das nossas vidas, onde somos os principais atores e diretores, o processo e o resultado são claramente nossos. Um passo em falso, e tudo pode piorar. Decisões acertadas, e as coisas caminham numa direção menos dolorida.
Mas quando estamos nos bastidores ou atuamos como coadjuvantes, nossa capacidade de impactar o outro diminui drasticamente.
A dor é instransferível. O sofrimento é único.
Ter de lidar com a dor e sofrimento de quem mais amamos na vida é, também, dolorido. Nos bastidores do teatro da vida, podemos dar suporte e oferecer o que esteja ao nosso alcance. Mas não podemos simplesmente pegar a dor e o sofrimento, dividir em fatias, e distribuir.
Não podemos entrar no coração de quem amamos e roubar nem a dor, nem o sofrimento, nem pegar para nós o abismo que se abre abaixo dos seus pés para cair no seu lugar.
A dor é única. O sofrimento é intransferível. E o abismo da perda não pode ser dividido.
Mas podem ser compartilhados.
Nos bastidores ou como coadjuvantes, talvez a única ferramenta ao nosso dispor é escutar. Ouvir. Estar presente.
Nos últimos meses, por incontáveis vezes me peguei com um impulso de tentar roubar pra mim a dor, o desolamento, o sofrimento, a angústia estampada nos olhos, no semblante, nas expressões do rosto de uma das pessoas mais alegres que eu já conheci: Mariana. O meu amor, a minha namorada, esposa, colega de trabalho, parceira de aventuras e de viagens. Mas não há como roubar, pegar, dividir, ou estancar a dor, o sofrimento, o abismo.
A dor não pode ser dividida. O sofrimento é único. O abismo é intransferível. A angústia é individual.
Como atores assistentes desse palco, também sofremos, e muito. Mas é uma dor que tem que ser vivida contida, calada. O sofrimento e a dor dos outros vêm em primeiro lugar. E já basta o que têm que enfrentar…
O que está ao meu alcance, além da presença e da escuta, é a memória e as lembranças.
É ai que entram as flores.
Um dia precisei ir para Conquista meio que de última hora. Não era necessariamente uma surpresa, mas era uma viagem não planejada. Precisava chegar na rodoviária (a situação financeira naquela época nem era ruim, porque para ser ruim ia precisar melhorar um bocado) e ir direto para uma floricultura para comprar um arranjo de flores bem bonito para dar de presente pra Mari. Tinha que ser um bem bonito e bem grande (quanto maior o buquê, maior a cagada de quem entrega, como já dizia a sabedoria popular mineira).
Como eu não conhecia a cidade direito, pedi ajuda ao mago dos bastidores, Márcio. A tarefa foi prontamente aceita em parte, desconfio eu, pela curiosidade de saber o que havia acontecido para merecer um arranjo de flores e uma visita não agendada, mas isso já é especulação minha.
O que sei ao certo é que fomos para uma floricultura local curiosa. A variedade de flores não era tão grande quanto eu esperava. Os arranjos não eram bem como eu estava imaginando. E o clima não era aquele clima agradável de floricultura decorativa.
Perguntei se não havia um arranjo de rosas vermelhas, rosas, e brancas para dar de presente. A vendedora me olhou de uma forma típica: não devia estar compreendendo o meu sotaque, pensei.
Repeti a pergunta, tentando falar o mais claramente possível, devagar, sem recursos linguísticos mineiros algum. Ela me olhou estranho novamente e me perguntou: “não é uma escolha muito diferente não?”.
Como pode arranjo de rosas ser uma escolha diferente? Será que no planalto bahiano as pessoas optavam por outro tipo de flores para as pessoas que amavam?
Devolvi o olhar estranho.
Ganhei outro mais curioso ainda.
E aí compreendi o mistério: Marcio tinha me levado para uma floricultura de velório.
Genial.
Não sei se foi de propósito ou se foi a primeira que lhe passou pela memória.
Mas era uma floricultura especializada em outro tipo de situação, e a minha não passava perto de um velório…
Essa é uma história que eu gosto sempre de contar.
E tem me ajudado a lembrar do Marcio de uma forma que me traga alegria, ofuscando a dor.
A dor é instransferível. O sofrimento é único. A presença e a escuta ajudam.
A memória de boas histórias podem servir para dar uma leveza momentânea.
Os palcos da vida nem sempre nos faz rir. Muitas vezes nos testam ao limite.
Que as flores nos ajudem.